«Libération» plongé dans le noir

23/02/2014 12:30

«Libération» plongé dans le noir

 

Brigitte Ollier

Palavras solo. Saber é também ver, a evidência salta aos olhos face a essa desaparição voluntária. As fotografias foram escolhidas, mas apenas as legendas e assinaturas estão presentes, da primeira à última página. Um gesto audacioso que quer demonstrar o valor e a energia da fotografia no momento em que se abre a 17ª edição do salão parisiense, a ela consagrado.

É também um sinal de interrogação. Esvaziando o jornal de toda representação, mostrando as palavras solo, quisemos dizer quanto essa linguagem das imagens é essencial à compreensão, mesmo se, às vezes, ela pode anestesiar o real e ser apenas “duplicata”, como escreveu Susan Sontag: “Implícita, na fotografia, está a ideia de que conhecemos  o mundo se o aceitamos tal como a câmera o registra. Mas isso é o oposto da compreensão, que começa precisamente pela recusa do mundo tal como aparece. Toda possibilidade de compreender está enraizada na  capacidade de dizer não. Rigorosamente falando, jamais se compreende algo a partir de uma fotografia” 

Nessa ambiguidade enunciada, nessa “desordem tirânica”, teria preferido Roland Barthes, tem lugar o jogo da fotografia tal como é praticada no Libération, que impôs esse diálogo repetitivo: publicar cada dia “as boas fotografias”. Coisa não muito fácil de definir, como sublinha Philippe Sollers, ele que só gosta de seus retratos feitos por mulheres: “Uma boa fotografia é talvez aquela que evoca a ausência de todas as fotos possíveis, todas aquelas que não foram feitas”.

Nesse mesmo espírito, em 2010, por ocasião de uma performance, artistas convidaram outros para ler a descrição escrita de fotografias invisíveis publicadas em um livro, Images latentes: journal d’un photographe, como uma mise en abîme do propósito iconográfico.

A ausência, portanto, para significar ao mesmo tempo a falta e a rotina, para nós, viciados das imagens, capazes de gozar por procuração das alegrias e tragédias da terra, enquanto os fotógrafos procuram justamente encontrar. O que? Obrigação da verdade? Vertigem da posteridade? Aquilo que restará de uma iluminação, de um instante muito vivo, de um gesto de amizade, de um abraço político, de uma guerra econômica, de um ciclone cego, de uma atriz de beleza tão frágil…

Pressão. Assim avança o cotidiano, a furta-passo, cada página ilustrada se fechando com uma fotografia, assinada por um desconhecido ou por um grande repórter da AFP. A multiplicidade da fotografia é sua riqueza intrínseca. Certamente, nem tudo é perfeito diante e atrás da objetiva, tanto mais que os próprios fotojornalistas trabalham a maior parte do tempo sem segurança, submetidos assim à pressão de uma informação contínua.

Laurent van der Stockt, em maio de 2009, evocava os riscos do ofício: “Estou lá onde as máscaras caem, onde as histórias de amizade se constroem, onde o ser humano é revelado. Estou  num presente intenso. […]. Sabe-se que as fotos não mudarão nada, mas como existir em um mundo sem tentar mudá-lo?”.

Retorno ao ponto de partida. De Susan Sontag à Laurent Van der Stockt,  tudo está quase dito da fotografia. Da sua vida dupla, verdades e mentiras.

* http://www.liberation.fr/culture/2013/11/13/liberation-plonge-dans-le-noir_946713

Tradução Marina Moros